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sábado, 29 de novembro de 2025

Resenha: Comentando "L'évasion de Louis XVI" (A Fuga de Luís XVI) Figurino Bom, Roteiro Questionável e decepção.

 

Olá, queridos amigos de Lady Oscar, sejam Bem Vindos!



O algoritmo do YouTube acertou em cheio. Eu estava navegando, e de repente, ele me entrega uma joia: a produção francesa "L'évasion de Louis XVI" (A Fuga de Luís XVI), completa com legendas automáticas em português. Como quem reassistiu ao novo filme de A Rosa de Versalhes há pouco tempo, a coincidência histórica foi um convite irrecusável. Minha obsessão pela Revolução Francesa é antiga, e a sensação de urgência para devorar e resenhar essa obra foi imediata.


Minha primeira impressão ao assistir ao filme(Docudrama), gerou um certo incômodo. A premissa central da produção era reabilitar a imagem de Luís XVI, propondo uma visão que fosse além da reputação injusta que a história lhe atribuiu. A narrativa comum descreve o monarca como um homem indolente, de raciocínio lento e, fisicamente, gordo. O filme, por sua vez, prometia revelar um rei comprometido com seu povo, um intelectual culto, inteligente e um chefe de família amoroso. Mas a surpresa visual foi imediata: no lugar do rei corpulento dos livros de história, o que vemos em cena é um rei magro, mais alto, esbelto e elegante. Como assim? Exatamente isso! A licença poética (ou histórica) da produção é, no mínimo, questionável. 🤗 Deixando as surpresas físicas de lado, vamos ao que realmente interessa: o fio condutor da trama. O resumo oficial do filme situa perfeitamente o drama que se desenrola: 



"Para salvar seus filhos do terror e sua esposa, Maria Antonieta, da condenação popular, o rei Luís XVI, disfarçado de bom burguês, foge incógnito do Palácio das Tulherias, onde é prisioneiro. Mas nada sairá como planejado. O fracasso de sua fuga terminará um ano depois com a decapitação do rei e da rainha da França."



No vasto campo da historiografia audiovisual, a linha entre a reconstituição factual e a interpretação ideológica é, muitas vezes, tênue. O docudrama francês "L'évasion de Louis XVI", parte da série "Ce jour là, tout a changé" (Naquele dia, tudo mudou), que foi ao ar entre 2009 e 2010 no canal France 2, ilustra perfeitamente essa tensão. A produção pretendia focar em "pontos de virada" da história francesa, mas este episódio específico gerou um rastro de controvérsias, culminando em uma carta aberta de historiadores que denunciavam o que consideravam "falsificações" históricas.



O Contexto da Série e a Polêmica Educacional

A premissa da série era enfocar os "grandes homens" da França — de Henrique IV a De Gaulle. A escolha de Luís XVI como foco, no entanto, levantou suspeitas de uma agenda revisionista. A polêmica atingiu o auge quando autoridades educacionais parisienses endossaram o material para exibição em escolas, transformando uma produção televisiva contestável em ferramenta pedagógica.

A "Fuga para Varennes" (junho de 1791) é, historicamente, o momento em que a monarquia francesa perdeu sua legitimidade popular. A família real, já prisioneira nas Tulherias desde 1789, tentou escapar para a fronteira para se aliar a potências estrangeiras e reprimir a Revolução. O fracasso da fuga selou o destino do rei. O documentário, contudo, propõe uma versão que desafia essa leitura consensual.

O Retrato do Monarca: Uma Elegância Questionável

O ponto de partida mais óbvio do filme é a caracterização física do rei. O ator Antoine Gouy interpreta um Luís XVI magro, elegante e charmoso. O filme parece obcecado em negar a obesidade do monarca, uma característica historicamente documentada e que lhe rendeu o apelido pejorativo de "Luís, o gordo" entre o povo.

Essa negação física é sintomática de uma negação moral. Ao refutar a aparência "gorda" e, presumivelmente, "vulgar" do rei, o filme tenta restaurar uma dignidade que a iconografia revolucionária lhe retirara. Trata-se de uma "gordofobia" histórica,  bem fantasiada que associa o peso físico à fraqueza de caráter, e que busca polir a imagem de um rei que era, de facto, corpulento. O resultado é um rei idealizado: decidido, cheio de virtudes e um pacifista convicto.

Em obras como Rosa de Versalhes, de Riyoko Ikeda, a representação de Luís XVI é a de um homem baixo, gordo e pouco atraente, alinhando-se à iconografia histórica. No entanto, o docudrama em questão optou por uma abordagem diferente, escalando um ator que é, de fato, um homem bonito e esbelto.

Essa escolha estética pode ter dois propósitos principais:

1.Reabilitação da Imagem: A mudança física pode ser uma tentativa de desvincular o rei do estereótipo de indolente e glutão, focando no seu lado intelectual e humano, como mencionado anteriormente.

2.Apelo Visual e Comercial: A escalação de um ator considerado mais atraente e charmoso pode ser uma estratégia para tornar a narrativa mais acessível e palatável para o público contemporâneo, priorizando o apelo visual sobre a fidelidade histórica estrita.

Independentemente da intenção, a discrepância física é uma decisão artística notável que impacta diretamente a percepção do espectador sobre o personagem histórico.

Luiz XVI no anime Rosa de Versalhes 1979.

Pintura do rei luiz XVI mostra um homem gordo.



A Cronologia Atropelada e a Agenda Oculta

A principal crítica dos historiadores reside na manipulação cronológica. O filme apresenta um rei que sonha com uma monarquia constitucional, mas ignora que, no momento da fuga, a Constituição de 1791 ainda não existia e o rei já havia quebrado a confiança do povo ao não vetar a Constituição Civil do Clero. O docudrama convenientemente ignora o Terror (que só viria em 1793), criando a impressão de que a Revolução era, desde 1791, um movimento violento e injustificado.

Essa distorção proposital serve, segundo os críticos, a um projeto da extrema-direita católica monarquista francesa: demonizar a Revolução desde o seu nascedouro.

A Demonização do Povo e a Inversão da Realidade

O viés ideológico atinge seu ponto mais baixo na representação das massas revolucionárias. A reconstituição da Marcha das Mulheres sobre Versalhes (1789) é particularmente criticada. O filme minimiza a presença feminina e retrata os participantes com características que parecem desumanizá-los, apresentando-os como uma multidão violenta e irracional.

Em contraste, o rei é mostrado de uma forma idealizada, quase como um "democrata exemplar" que, apesar de acreditar em seu direito divino, demonstra virtudes. Cenas que retratam camponeses o reconhecendo e demonstrando afeto criam uma narrativa que sugere que o rei era amplamente amado e que os ideais revolucionários eram marginais. Essa representação contrasta com o entendimento histórico de que a imagem de Luís XVI perante o povo era complexa e, após a fuga, sua legitimidade foi seriamente questionada.



A Desconstrução de Maria Antonieta e os Vilões Caricaturais

Se a primeira parte eleva a figura do rei, a segunda metade do filme se concentra em rebaixar Maria Antonieta, utilizando estereótipos de gênero e manipulações narrativas.

O filme insiste na narrativa de que Luís XVI era apaixonado pela sua rainha, mas faz questão de frisar que Antonieta falhou em seus deveres. Em uma cena de flashback, o rei, com um olhar de mágoa, sugere que os panfletos difamatórios que o chamam de "corno" só existem porque ela não se comporta de maneira recatada, gasta excessivamente e não é suficientemente caridosa. Essa dinâmica coloca o rei na posição de um modelo de virtude, que distribui lições de moral enquanto a rainha é a fonte de todos os problemas.



A produção mergulha em uma psicologia de gênero questionável ao abordar a vida íntima do casal. O filme joga a culpa na rainha pela demora na consumação do casamento, sugerindo que ela se negava ao marido, que é retratado como amoroso e apaixonado. O auge dessa manipulação ocorre em uma cena bizarra em que o rei, supostamente após receber uma carta de amor de Fersen por engano, entra em frenesi. Coberto de sangue de uma caçada, ele invade os aposentos da rainha e a confronta. A cena, que beira a agressão física, tenta afirmar a virilidade e o domínio do rei.



Fersen, o suposto amante da rainha, é igualmente rebaixado. Interpretado por um ator jovem e inexperiente, ele é retratado como tímido e inseguro, um "menino" em contraponto ao "macho alfa" que o rei se esforça para ser. Essa construção serve para diminuir a ameaça percebida ao rei, reforçando hierarquias de gênero tradicionais onde a rainha deve ser submissa.




O Figurino e a Desconstrução da Imagem Real

Se a escolha de um ator magro para interpretar Luís XVI já causa estranheza, a abordagem do figurino no docudrama também merece um olhar atento.

A indumentária é uma ferramenta poderosa na narrativa histórica, capaz de comunicar poder, status e até a personalidade de uma época. A Revolução Francesa marcou, inclusive, uma transição radical na moda, abandonando o excesso aristocrático pelo pragmatismo burguês.

A produção parece usar o figurino de forma intencional para reforçar sua tese revisionista:

A Elegância Contra o Estigma

No lugar dos trajes excessivamente opulentos e, por vezes, desleixados associados à caricatura do rei, o docudrama opta por um vestuário que exala sobriedade e elegância. Vemos um rei em cortes mais ajustados, tecidos de boa qualidade, mas sem o exibicionismo barroco que esperaríamos do Ancien Régime.

Quando o resumo oficial do filme menciona que o rei "foge incógnito do Palácio das Tulherias, onde é prisioneiro", disfarçado de "bom burguês", o figurino assume um papel central. A transição das roupas reais para as vestes de um simples comerciante ilustra o desespero e a perda de identidade de Luís XVI.

A questão que o figurino levanta é: até que ponto essas escolhas visuais servem à precisão histórica ou são apenas mais uma peça na tentativa de humanizar – e até glamourizar – um monarca cuja imagem pública já estava irremediavelmente manchada pelo contexto político da época?

As roupas, neste docudrama, deixam de ser apenas vestimentas e transformam-se em argumentos visuais na defesa de um rei que a história julgou severamente.




O Duque de Orleans e a Política do Espalhafato

A construção narrativa exige antagonistas claros. O Duque de Orleans, primo do rei, é apresentado como um dos principais vilões, movido pela ambição. O filme o retrata como um fop deslumbrado, que acredita ingenuamente que a queda de Luís XVI resultará na sua própria ascensão. A transformação de Orleans em "Philippe Égalité", cidadão modelo da Revolução, é mostrada com um visual quase carnavalesco, ridicularizando sua adesão à causa popular. Ele é, essencialmente, um vilão bufão.

A Conspiração dos Ícones: Um Crossover Improvável

O docudrama oferece uma sequência que beira o pastiche histórico: uma reunião secreta que junta, na mesma sala de conspiração, figuras que na realidade política da época raramente ou nunca teriam interagido no mesmo nível: Robespierre, Marat, Danton, Camille Desmoulins e o Duque de Orleans.

Essa "reunião dos Vingadores" da Revolução força uma unidade de propósito que historicamente não existia. Havia profundas divisões ideológicas entre esses homens. Robespierre é o destaque, interpretado com um ar traiçoeiro e cruel, uma personificação visual do mal que se tornaria o Terror. O filme usa essa reunião fictícia para sugerir que a Revolução foi um complô de indivíduos perversos e ambiciosos, em vez de um movimento social complexo.

Veredito: Propaganda em Trajes de Época

O filme termina com o destino final dos envolvidos. Lafayette é o único vilão a sobreviver à década revolucionária, sugerindo que o pragmatismo venceu a ideologia.

O documentário conclui com um elogio póstumo a Luís XVI, que de rei "poderia ter sido grandioso", mas encontrou a grandeza no martírio. Essa conclusão fecha o círculo do revisionismo: a história do fracasso é reescrita como a história da santidade.



"L'évasion de Louis XVI" é um estudo de caso fascinante sobre como a mídia pode reescrever o passado para servir narrativas contemporâneas. Embora visualmente competente, como produto histórico, é falho e tendencioso. Ao polir a imagem do rei, demonizar o povo e atropelar a cronologia, o filme falha em iluminar a história, optando por obscurecê-la com uma visão reacionária e anacrónica. É um filme que, em última análise, revela mais sobre os seus criadores e o debate político francês moderno do que sobre a complexidade da Revolução Francesa. Enfim é isso! Deixo abaixo o filme que inspirou a nossa Resenha, para quem tiver interesse:




Espero que tenham gostado! 


ady Oscar diz... Obrigada por sua visita! Volte sempre que quiser.

 


 


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Lady Oscar diz..
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